Treinador sem ideias
Equipa sem personalidade
Nunca fui treinador, nem jamais fui treinado por alguém. Nos recreios da escola cabia-me sempre o lugar de guarda-redes, posição reservada àqueles que não tinham jeito nenhum para jogar à bola.
Imagino, no entanto, que, durante a semana de preparação para o jogo seguinte, o treinador prepare os seus jogadores para a forma como é que a equipa adversária se vai apresentar: com o “bloco” mais baixo? Com um “ponta-de- lança”? Fixo ou móvel? Joga bem de cabeça? Foge bem às marcações? Joga com dois extremos? São rápidos. Ou no meio que tem o seu ponto forte? Qual é o esquema táctico? Como é que esse adversário vai “entrar” no jogo? Ao ataque? Fechando-se na defesa? Em transições rápidas? Há algum jogador que mereça alguma atenção especial?
Mantendo os treinadores das equipas grandes o seu esquema táctico e a sua dinâmica (ideia de jogo, no diccionário muito próprio do JJ) não deixam de fazer alguns ajustamentos, quanto mais não seja alertando os seus jogadores para alguns destes aspectos. Mas esta preparação é sempre concebida, como é bom de ver, não pode ser de outra maneira, com base numa projecção de como jogará o adversário. Não se sabe nunca – é este o encanto do futebol – que jogo nos vai sair. A realidade só se apresenta aos olhos do treinador e da sua equipa técnica após o apito do árbitro.
O “jogo jogado” pelo adversário confirmará ou não a projecção. Por vezes a sua dinâmica do jogo surpreende a todos. Outras vezes é o nosso esquema táctico que, sob pressão inesperada da equipa contrária, não funciona como era expectável, ou há uma “pedra” nossa que está em sub-rendimento, ou, ainda, um jogador adversário que está “endiabrado”. O treinador tem 45 minutos para perceber (aqueles que são mestres a “ler” o jogo) o que é que está correr mal, porque é que está a correr mal, quais os pontos fortes do adversário (que, regra geral, coincidem com os nossos pontos fracos).
É a situação irremediável? Não, dispõe o trinador de 15 valiosos minutos para a contrariar. Agora, ao contrário do que aconteceu durante a semana, já pode orientar a equipa – alterando, corrigindo e ajustando – com base, não numa projecção, mas na realidade que durante 45 minutos lhe passou diante dos olhos. E é, neste ponto, que se distinguem os treinadores. Há os que nada (ou pouco) captam do jogo que lhes passou à berma e os que evidenciam capacidades de “mexer” com o jogo.
Em qual destas categorias encaixo Rui Vitória?
Quando as coisas não correm de feição na primeira parte ao Benfica, na segunda, regra geral, pioram. Assim foi com o Moreirense fora e, antes, com o Setúbal. Assim foi em casa, por duas vezes, com o Estoril.
Ter uma ideia de jogo (esquema e dinâmica de jogo) é capital. É a estrutura da equipa. Como dinâmica de jogo, a ideia tem que ser suficientemente maleável para se ajustar a uma nova realidade. Como esquema táctico a ideia não pode ser tão gelatinosa que se desmanche às primeiras contrariedades colocadas pelos adversários. Foi tudo isto que aconteceu nos jogos com o Estoril: treinador sem ideias e equipa sem personalidade.
Texto por Manuel Sampaio